No dia 29 de Dezembro de 2005 fui assaltado em São Paulo. Moro a 700 metros do trabalho e, embora a distância seja pouca, costumo ir e voltar de carro. Pura preguiça, embora seja uma preguiça justificada pela constante divulgação de assaltos e roubos de laptop na Avenida Luis Carlos Berrini, onde a empresa em que trabalho se localiza em São Paulo.
Acontece que especificamente no dia 29 de Dezembro de 2005 eu estava sem carro. Em dois dias eu estaria de férias no Rio de Janeiro e aproveitei para deixar o carro na revisão.
Eu nunca me considerei uma provável vítima de assalto. É o tipo de coisa que acontece com os outros. Roubo de laptop? Impossível! Não faço o perfil "gringo sorridente", estou ambientado à violência das grandes cidades e não tenho cara de otário. Pelo menos eu achava que não.
Ao sair a pé do trabalho até minha casa, fui abordado por dois motoboys que foram enfáticos ao pedir que eu entregasse "o notebook senão leva um pipoco". Não vi arma e não conversei, saí correndo. Para meu azar (ou sorte), a sola do meu sapato prendeu na tampa quebrada de um bueiro e ali mesmo minha corrida acabou. Fiquei sem um pé de sapato, de terno e com o laptop em uma mochila nas costas. Impossível fugir. Voltei, vi que um deles havia sacado um revólver e pedi calma aos dois: "perdi, pode guardar a arma, vamos conversar".
Depois de um minuto de conversa entreguei o laptop, mas não a mochila onde estavam meus documentos, celular, chave de casa e a passagem aérea das minhas férias no Rio de Janeiro. Depois que eles foram embora, liguei para a polícia, que levou quarenta minutos para aparecer. Ao registrar a queixa na delegacia, fui informado que somente naquela semana eu era o sexto caso de roubo a laptop na região. O delegado de plantão me disse que provavelmente o inquérito não daria em nada. Embora eu tenha dado todos os detalhes e descrito com precisão a roupa e as motocicletas dos assaltantes, nada poderia ser feito sem o número da placa, que estava dobrada impossibilitando a leitura. No mínimo eu deveria fornecer também o endereço dos criminosos.
Revoltado com a incompetência investigativa da Polícia Civil de São Paulo, decidi investigar por mim mesmo. Não que eu espere encontrar e prender os bandidos. Queria mesmo era entender o mercado por trás desse crime. Descobri que há dois destinos para os laptops roubados na região do Brooklin em São Paulo: são trocados por drogas em favelas da zona sul ou repassados a revendedores que os compram por valores inferiores a R$ 1.000,00. Ainda que sejam trocados por drogas, cedo ou tarde esses laptops acabam sendo revendidos em algum lugar.
Existem alguns lugares onde um laptop roubado pode ser comprado. O centro de São Paulo está cheio deles. A região da Rua Santa Efigênia e algumas lojas na região da Rua 25 de Março são dois exemplos. Sites de leilão na Internet também revendem laptops roubados, que são vendidos como mercadoria usada, sem que a maioria dos compradores desconfie da procedência. Alguns receptadores não se preocupam sequer em remover as etiquetas de patrimônio que alguns laptops de empresas levam.
O jornal "O Globo", nessa semana, trouxe uma reportagem sobre os roubos de laptop em São Paulo. A secretaria de segurança do estado não tem (ou não quer ter) estatísticas precisas sobre o crime, mas o problema já é considerado grave. Além da região da Avenida Luiz Carlos Berrini, a Avenida Paulista e os aeroportos de Congonhas e Guarulhos são os pontos que mais registram a ocorrência. Em muitos casos, os criminosos começam a seguir a vítima já na saída dos hotéis mais utilizados por turistas de negócio.
Esse crime não teria tanta repercussão se não fosse fomentado pelas próprias vítimas. Quando um laptop é comprado sem que a procedência seja cuidadosamente verificada, há a chance de que seja fruto de crime. E uma vez que você ande na rua com esse laptop, a possibilidade de que ele volte a ser roubado é grande. É um efeito bola-de-neve, onde uma coisa alimenta a outra.
Como o problema não é exclusividade do Brasil, várias empresas já produzem soluções baseadas em software para que você encontre seu laptop caso ele seja roubado. A Dell incluiu esse recurso nas suas linhas mais recentes da série Latitude. Não adianta. Se é baseado em software (que normalmente funciona via Internet), o receptador pode facilmente desabilitá-lo, tornando o sistema inútil. É provável ainda que os criminosos contratem serviços de um técnico para desabilitar esse sistema e reinstalar o sistema operacional no laptop antes de revendê-lo. Qualquer um sacaria que trata-se de um laptop roubado, mas a idéia de levar vantagem e ganhar uma grana por um trabalho fácil faz muita gente deixar os seus melhores princípios de lado, afinal de contas pimenta nos olhos dos outros não arde.
Nossa sorte enquanto vítimas é que os criminosos são despreparados e estão interessados apenas em revender o hardware. O dia em que as informações contidas nesses laptops roubados começar a ser usada maliciosamente o bicho vai pegar. No disco rígido do seu computador é possível encontrar quase todo tipo de informação pessoal a seu respeito, incluindo informações sobre sua conta bancária e em muitos casos até mesmo seus últimos extratos. Além disso, laptops roubados dizem onde você trabalha e em muitos casos servem como porta de entrada para a rede corporativa de empresas. A maioria dos usuários não se preocupa com os aspectos de privacidade necessários e não emprega as soluções disponíveis gratuitamente para esses problemas.
Eu nunca tinha sido assaltado antes. Morei quase toda a minha vida no Rio de Janeiro e ninguém nunca me incomodou por lá. Precisei mudar para São Paulo para que isso acontecesse. Desde que mudei para São Paulo adquiri repulsa pelos motoboys. Já perdi a conta das vezes em que quase me arrancaram o retrovisor. Agora essa repulsa virou raiva, porque além de arrancarem retorvisores eles também assaltam quando a oportunidade aparece. Uma característica dos motoboys criminosos já me deixa mais ligado atualmente: placas amassadas pelas dobras que fazem para escondê-las quando necessário. Parece que só a polícia não nota esse detalhe.
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