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Campus Party 2009: O Direito Conhece a Internet?


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Campus Party 2009: O Direito Conhece a Internet?

Debate com a presença de Rony Vainzof (Opice Blum Advogados Associados), Ronaldo Lemos (FGV, Creative Commons, Overmundo) e Ivo Corrêa (advogado do Google Brasil). Moderador: Francisco Madureira (jornalista responsável pelos blogs do UOL).

O debate começou com a lembrança do famoso caso de uma modelo que teve sua intimidade flagrada em uma praia na Espanha e exposta em vídeo no site YouTube. Na época a modelo alegou que sua privacidade foi violada e, por causa disso, a justiça determinou que o YouTube fosse bloqueado no Brasil. Mas haveria mesmo violação de privacidade em uma praia, ao ar livre, em um lugar público?!? Por conta de um caso isolado, de uma única pessoa, cria-se uma situação que afeta milhões de outras pessoas.

Outro episódio recente que causa furor até hoje na Internet é o Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo sobre crimes na Internet (leia nosso artigo sobre o assunto). O referido projeto, por exemplo, criminalizava sites que utilizassem cookies sem a permissão do usuário. O interessante é que o próprio site do Senador plantava cookies no computador do usuário sem a permissão deste...

Os fatos acima geram polêmica porque têm a ver com privacidade de cada um na Internet. De um lado, existe a privacidade do usuário, de outro, existe uma criminalidade crescente.

A Internet é uma rede de pessoas e não uma rede de tecnologia. Como rede de pessoas, ela precisa de organização, de regras. Mas até onde vão essas regras, direitos e deveres em relação a cada um (usuários e empresas) na Internet?

Foi citado um caso para ilustrar um tipo de ato ilícito na Internet. Um homem criou uma conta de e-mail usando o nome da ex-namorada, pegou uma foto dela, recortou seu rosto e o colocou, através de montagem, no corpo nu de uma outra mulher. Em seguida, enviou essa fotomontagem para todos os contatos pessoais e profissionais da moça, informando que ela atualmente era uma garota de programa e quem quisesse confirmar poderia ligar diretamente para seu número de celular e marcar um programa. Até que a moça se explicasse a todos que receberam a foto, sua vida estava devastada.

Vamos tentar identificar o autor desse ilícito. A mensagem foi enviada de forma anônima, em nome da moça. Foi verificado o número de IP no cabeçalho da mensagem e, mediante ordem judicial, foi quebrado o sigilo junto ao provedor de acesso, que informou exatamente de onde partiu aquela mensagem ilícita: da casa do ex-namorado da moça em questão. Foi feita uma busca e apreensão na casa do sujeito para comprovar quem havia usado aquele computador para enviar aquela mensagem. A perícia descobriu as montagens, o e-mail falso, os acessos e o envio das mensagens. Com base nessa prova, os advogados entraram com uma medida de indenização por danos morais causados à moça. Neste caso é também cabível uma ação criminal por difamação, que não foi ajuizada porque a pena para crime de difamação é abaixo de dois anos e penas inferiores a esse período, segundo a atual legislação no Brasil, são passíveis de multa ou pagamento de cesta básica (para pessoas sem antecedentes criminais).

Em primeira instância, a justiça condenou o ex-namorado a pagar uma indenização de R$ 5 mil à ofendida. Ou seja, o sujeito acabou com a vida da moça e o magistrado da primeira instância aplicou uma multa de R$ 5 mil. O caso foi levado à segunda instância e o Tribunal de Justiça reformou a decisão de primeira instância e condenou o sujeito ao pagamento de R$ 100 mil. Provavelmente a moça não receberá um tostão sequer dessa multa, visto que o sujeito não tem onde cair morto, mas sua reação ao saber da decisão lhe deu a sensação de que existe um direito que pode ser aplicado com relação à Internet. Infelizmente o Projeto de Lei do Senador Azeredo não prevê aumento de pena para crimes contra a honra.

Outro caso que tem mais a ver com a questão de identificação é o da quebra de sigilo junto ao provedor de acesso para identificar a origem de uma certa  mensagem ofensiva. Descobriu-se que a tal mensagem havia partido de uma lan house localizada dentro de um shopping. Desde 2006 há em alguns estados uma lei que obriga as lan houses a identificar seus usuários justamente para poder localizar o autor de algum ilícito como este. No caso em questão, a lan house informou no processo que não possuía a identificação do usuário, ou seja, a vítima nunca saberá quem foi o autor daquele ato ilícito. Neste caso a lan house foi responsabilizada, uma vez que deveria manter os registros de seus usuários, e foi condenada a pagar R$ 10 mil de indenização ao ofendido – pelo ato ilícito em si e pela ausência de informação sobre o autor.

Como ficam as empresas diante da possibilidade de um usuário cometer um crime dentro do seu ambiente de Internet (por exemplo, o Orkut, do Google)?

Ainda não há uma legislação, uma normatização adequada para algumas questões de direito na Internet, mas os juízes não deixam de aplicar penas, pois a Internet é realidade na vida de milhões de pessoas, mesmo com a falta de regras determinadas. Os conflitos gerados pelo uso da Internet e a ausência de normas que regulem esses conflitos acabam levando a decisões que afetam muito mais pessoas do que exclusivamente o responsável pelo ilícito.

A tendência do judiciário diante desse impasse (de não saber o que fazer) é tratar a Internet como os outros meios de comunicação tradicionais (como se, por exemplo, um site de relacionamento fosse um jornal e seu dono pudesse ser responsabilizado pelo conteúdo veiculado em suas páginas) – e aí residem os problemas centrais.

Alguns defendem uma não-regulação da Internet, mas é ilusório pensar que essa não-regulação vai significar que o direito não avançará sobre ela. O preocupante é que a não-regulação pode dar margem a alguns casos específicos, que são poucos se comparados ao universo da rede, que gerem algo como a lei Azeredo.

Em 1996 foi aprovada no Brasil a Lei de Interceptações Telefônicas para regular o grampo telefônico. Até então, fazer grampo no Brasil era uma festa, qualquer advogado pedia autorização ao juiz e este liberava sem controle ou regulação. A partir de 1996 a escuta só é possível através de ordem judicial – é necessário convencer o juiz de que o grampo é realmente necessário. Em 2008, 400 mil grampos foram autorizados pelo judiciário, mesmo depois da regulamentação da lei.

Estamos vivendo na Internet um momento parecido com o período antes da lei que regulamenta a escuta telefônica. Como não existe uma regra que define quando o juiz pode ou não conceder autorização para achar o usuário que está por trás daquele computador, o juiz hoje está concedendo autorização para casos onde ela deve e não deve ser dada. Mesmo com a lei de regulamentação dos grampos, no ano passado foram autorizados 400 mil grampos, então o que está em risco é a ideia de privacidade. Estamos às vésperas de um momento em que a sociedade brasileira terá que decidir quais são os momentos em que o juiz pode autorizar a quebra de sigilo, a quebra de privacidade, para identificar a pessoa que está do outro lado da linha na Internet. 

Casos como o da moça que foi vítima da ação maldosa do ex-namorado, citado anteriormente, é um caso muito grave, que afeta a vida da pessoa. O problema é que esses casos não podem ser resolvidos da perspectiva individual, mas sim da perspectiva do interesse público. Então, se o juiz pode quebrar o sigilo de toda e qualquer pessoa, não importando o tipo de crime, temos um problema coletivo que afeta o interesse público. É preciso regulamentar a atual situação em uma lei que diga que o juiz só pode autorizar a quebra  da privacidade individual para casos considerados graves, por exemplo: sequestro, pedofilia, tráfico de drogas e outros puníveis com ação penal pública incondicional, crimes de alto potencial ofensivo.

Advogados, juízes, delegados, promotores, etc, não conhecem nada ou quase nada de Internet.

Não existe regulamentação específica sobre o conteúdo disponibilizado na Internet, então os juízes julgam com base em regras gerais. O juiz pega o Código Civil, que começou a ser escrito na década de 1970, onde há uma regra que diz que se alguém lesar outra pessoa, esse alguém é responsável pelo dano causado à outra pessoa. Essa é a regra geral. O que acontece na Internet hoje é que quando um caso é levado ao judiciário, cada juiz acaba decidindo de acordo com as suas convicções, porque a lei em si não desce a nenhuma especificidade que oriente o juiz sobre como decidir sobre aquele caso. Então hoje o que é fundamental no Brasil – e que já aconteceu em vários outros países, começando pelos EUA – é criar mecanismos de contrapeso a essa situação.

O que acontece nos EUA, por exemplo, é o seguinte: quando é que um provedor de conteúdo, seja ele um blogueiro, ou o site que hospeda o blog, ou o provedor de acesso, quando é que ele é responsabilizado? Ele é responsabilizado quando, em havendo um caso ofensivo, por exemplo, uma violação de direitos, ele é notificado a respeito daquela violação e a pessoa que recebeu a notificação não toma as providências para retirar aquilo do ar. Se a pessoa tomar as providências para tirar a referida violação do ar em tempo hábil, ela não é responsável pela conduta. É claro que a pessoa que recebeu a notificação pode contra-notificar. Por exemplo: alguém fala mal de um serviço prestado e o prestador desse serviço notifica o provedor, alegando que falaram mal de seu serviço; o provedor pode contra-notificar, alegando que o serviço prestado é realmente ruim, repetindo e reafirmando a opinião por achar que a mesma é justa.

É importante que seja criada aqui no Brasil uma situação de contrapeso, porque o provedor de conteúdo (o blogueiro, o site que hospeda o blog, o provedor de acesso) é um alvo fácil demais, diferente do que acontece nos EUA, onde existe a cultura litigante, do processo judicial. No Brasil, o processo já é o castigo, o processo em si é quase a punição. É necessário ter regras claras que orientem os juízes sobre quando o provedor se torna ou não responsável, porque se não temos essas regras. Na situação atual, cada juiz terá uma convicção diferente. Tem que ser feita uma análise jurisprudencial em todos os sentidos, pois uns condenam e outros não, cada um com as mais diferentes convicções. Precisamos de uma lei que defina isso com clareza porque, em não definindo, o caso fica entregue ao judiciário, que decide de forma absolutamente contraditória.

Hoje ser blogueiro no Brasil é extremamente arriscado, você fica pensando até que ponto você pode se expressar. Será que apenas estabelecer regras garantirá que a blogosfera brasileira poderá se expressar com liberdade? O problema é que ser blogueiro no Brasil é ser herói – herói no sentido de que não se sabe os riscos enfrentados ao emitir uma opinião na rede, porque trata-se de risco imprevisível. Uma regulamentação é necessária para que o risco se torne previsível, para que o blogueiro deixe de ser herói (aquele que enfrenta o risco imprevisível) e passe a ser um sujeito racional, que mede o risco conhecido.

Essas restrições acabam sendo um entrave para a inovação. No Brasil, quem inova está sujeito à imprevisibilidade da falta de regulamentação, pois não há como saber qual será a consequência jurídica de certos atos. É necessário ter uma previsibilidade de risco para poder haver competição com os serviços que já vêm regulamentados dos EUA, senão ficaremos cada vez mais para trás.

Qualquer provedor de conteúdo só será condenado por qualquer tipo de ofensa ou ato ilícito que aconteça dentro do seu site se ele tiver ciência do ilícito. Ou seja, a partir da ciência, quem responde é o provedor; caso não haja ciência, quem responde é o autor.

Em relação aos blogueiros: no Brasil é permitida a liberdade de expressão, mas até onde vai essa liberdade? Pode-se ofender alguém, ou fazer pornografia infantil na Internet? Não. A questão é que essa liberdade tem um leque muito amplo de opções e sua interpretação ficará a cargo do juiz.


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