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Minha História Profissional – Parte 6


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Minha História Profissional – Parte 6

Parei a história contando como o meu amigo Marcelo Abramovitz (que foi meu primeiro aluno, estagiário e assistente) e eu consertávamos todos os computadores da escola técnica onde estudei e tudo quanto era equipamento eletrônico (especialmente TVs, o Marcelo tinha uma certa fixação por televisores, vai entender) a gente via pela frente. Aliás, encontrei mais uma foto dele no nosso primeiro laboratório, na verdade um cubículo de uns três metros quadrados dentro do laboratório de eletrônica avançada do Instituto de Tecnologia ORT. Repare o osciloscópio e o gerador de barras que usávamos para consertar TVs. Clique aqui se você perdeu as demais partes desta série.

"Marcelo
Marcelo Abramovitz em nosso laboratório em 1993

Em 1994 os alunos do 3º ano de eletrônica me perguntaram se eu não poderia dar aulas de hardware para eles. Eu respondi que sim, eles encaminharam o pedido à coordenação da escola, que aprovou as aulas, que foram ministradas alguns dias por semana à tarde. Para este curso eu escrevi uma pequena apostila. Foi a primeira vez que dei aulas para uma turma.

Eu sou o moreno ao centro (esta foto foi tirada logo após eu ter retornado de férias em Maceió no Laboratório de Robótica da escola, que na época estava sem coordenador e com isso eu o usava às vezes para dar aulas para esta turma). Sem comentários sobre a pochete, por favor...

"Gabriel
Turma do terceiro ano de eletrônica do Instituto de Tecnologia ORT, em 1994

Após esta experiência, em 1995 o Marcelo colocou uma “pressão” para eu montar o meu próprio curso de montagem e manutenção de computadores. Ele foi realmente um amigão, ligou e foi pessoalmente a tudo quanto é curso sobre o assunto que existia na época no Rio de Janeiro (não eram muitos) para colher informações, da ementa ao preço e formas de pagamento, sem eu pedir. Em outras palavras, ele tomou a iniciativa.

Existiam dois extremos: os cursos de dois dias que prometiam a você a montar um micro, mas que na realidade só havia uma máquina e o instrutor era quem montava tudo e você só assistia e um curso na UERJ que durava nove meses e ensinava eletrônica digital, técnicas de solda etc.

Eu achava que os extremos eram ruins. Cursos de dois dias eram apenas informativos e mesmo sendo possível aprender a montar um micro em dois dias, o aluno não aprendia o funcionamento dos componentes. Com isso, com as frequentes mudanças no mercado, alunos desses cursos não seriam capazes de acompanhar as mudanças do mercado. Em outras palavras, se deixassem para montar um computador um ano depois eles teriam de fazer um novo curso.

Já o curso da UERJ ensinava além do necessário. Eletrônica digital? Solda? Para que, se conserto de computadores não é feito mais na base da troca de componentes eletrônicos?

Então resolvi criar um curso formativo, inicialmente com 42 horas de carga horária, ao qual simplesmente chamei de “Curso de Hardware” (o número de horas-aula foi crescendo na medida em que eu via que precisava de mais tempo para explicar “tudo”, passando logo para 60 horas e finalmente para 75 horas). A ideia era um meio-termo: eu ensinaria a teoria, mas teria muita prática também (montagem e manutenção). Turmas com 10 alunos e a promessa que todos os alunos poderiam montar pelo menos um computador sozinhos durante o curso.

Aí começou a “ralação”. Eu tinha o espaço, um laboratório que eu poderia usar para dar o curso a tarde e/ou a noite na escola e recebemos apoio total da escola para tocar a ideia. Só que havia um problema. A escola é uma organização sem fins lucrativos, não possuindo qualquer verba para a compra de equipamentos ou investimento em publicidade. Por outro lado, eles me dariam todo o apoio necessário na parte humana (atendimento pessoal e telefônico, xerox de graça, ligar para potenciais clientes, divulgação entre os atuais e ex-alunos do 2º grau e de outros cursos livres que eles já tiveram, etc).

Eu, na época, não tinha dinheiro algum para comprar o material que seria necessário. Mas eu dei meu jeito. Peguei US$ 2.000 emprestados com a minha namorada na época e tentei ao máximo que pude pegar material emprestado, especialmente o material mais caro, além de sair catando placas queimadas com tudo quanto era amigo que eu tinha que trabalhava consertando computadores e de lojistas que eu conhecia. Esse material queimado era para mostrar nas aulas teóricas (sem medo de que alguém fosse queimar o material) e também para montar os computadores “com defeito” das aulas práticas (eu montava vários computadores com defeito e dividia a turma em grupos e cada grupo tinha o desafio de consertar o computador com problemas).

Só para você entender como era a ralação, vamos supor que eu quisesse usar um material emprestado. Eu tinha de pegá-lo com um amigo de manhã, usá-lo na turma da tarde e na turma da noite, e depois devolver o material na manhã seguinte, antes de ir ao trabalho. Preparar os computadores das aulas práticas era uma correria, pois eu tinha de prepará-los antes de cada aula, e eu comecei com duas turmas por dia! Bem, pelo menos eu tinha o Marcelo para me ajudar. E muita, mas muita disposição. Note que eu saía da escola depois das 22:00 H e chegava lá no dia seguinte por volta das 9:00 H, isso quando eu não chegava antes. Essa rotina de trabalhar 12-13 horas por dia passou a ser o meu normal por alguns anos (e piorou quando eu me meti a escrever livros).

Quanto ao material que eu comprei, eu tinha que fazer o dinheiro que peguei emprestado render ao máximo, por isso comprei material usado. Na época o processador topo de linha era o 486 (486DX4-100 era o mais topo de linha e o 486DX2-66 era o intermediário), o Pentium havia sido lançado mas era novidade e quase ninguém tinha dinheiro para ter um. Então o que eu comprei foram muitas placas-mãe de 386 que estava sobrando do pessoal que estava fazendo upgrade para 486, corri atrás de tudo quanto era amigo que tinha feito este upgrade e queria ganhar uma graninha me passando o material que havia sobrado (naquela época não havia um mercado forte para produtos usados como tem hoje, até porque a Internet ainda não existia comercialmente). Seria como se a gente tivesse montando um curso de hardware hoje usando Pentium 4: não é ruim, mas não é topo de linha.

Eu precisava de material didático para este curso e escrevi uma segunda apostila. Enquanto escrevia a apostila pensei que seria melhor escrever logo um livro, pois senti que havia uma lacuna no mercado, como comentei na parte anterior desta série. Então comecei a escrever o livro, temporariamente chamado de “Curso de Hardware” (pelo visto não sou tão criativo assim para títulos – este era o mesmo nome do curso) e que acabou sendo lançado como “Hardware Curso Completo” em 1996. Mas não vamos nos adiantar. O ano de 1996 foi possivelmente o mais importante do meu início profissional, mas vou precisar de mais tempo para escrever sobre ele.

Mas vamos continuar em 1995 por enquanto. O curso deu certo, graças à ajuda que tive do Marcelo. Tínhamos dinheiro de menos, porém tempo e criatividade de sobra. Marcelo teve a brilhante ideia de fazer cartazes do curso (afinal, tínhamos xerox de graça e que, para nossa sorte, a escola tinha papel A3) e sair colocando nas principais faculdades do Rio de Janeiro (em particular nas de engenharia e informática). Ele pensou, acertadamente, que quem estava frequentando faculdade estava interessado em se educar, em aprender mais.

O Marcelo, assim como eu, era um exagerado. Ainda bem. Ele ia pessoalmente nas faculdades e colava pelo menos 50 cartazes em cada faculdade. E na semana seguinte ele retornava para ver o que tinha acontecido, pois era comum arrancarem os cartazes, assim ele recolocava os cartazes e sempre tínhamos cartazes colados (só uma dica se você for um dia fazer isso, é preciso pedir autorização para colar cartazes, em pouco tempo o Marcelo sabia o caminho das pedras em todas as faculdades). Outra ideia que ele teve, muito boba, mas altamente eficiente. O retorno aumentou quando o Marcelo resolveu pintar as letras que compunham a palavra “HARDWARE” do cartaz (que eram impressas “vazadas”) de vermelho com pilot. Então nós passávamos boa parte do dia pintando os cartazes (xerox colorida de pobre, he he he), pois afinal de contas ele pregava 50 cartazes por dia.

Na ficha de inscrição do curso tínhamos um campo onde perguntávamos como o aluno soube do curso, e aí sabíamos as faculdades que davam maior retorno (para constar: PUC, UFRJ e UERJ). Isso também nos permitiu traçar um perfil sócio-econômico das pessoas que estavam procurando o curso para podermos cobrar de acordo. Decidimos que deveríamos cobrar mais do que os cursos de dois dias, principalmente para nos destacar. E como sempre reinvestíamos parte do faturamento, sempre tínhamos equipamento de sobra para todos os alunos poderem montar computadores sozinhos (um computador por aluno). Rapidamente ganhamos a fama de curso mais caro do Rio de Janeiro, mas qualidade tem preço.

Pela primeira vez na vida ganhei dinheiro “de verdade” (até o momento estava ganhando pouco mais de um salário mínimo por mês, lembre-se). Com o dinheiro que ganhei das minhas primeiras três turmas eu paguei a minha dívida com a minha namorada, comprei o meu primeiro carro e consegui realizar o meu primeiro sonho de consumo, que explico em mais detalhes adiante. Mas primeiro vamos ao carro.

Meu primeiro carro foi um Fusca 1979 branco perolado que mais tarde foi batizado de Mentex pelo Tadeu (que foi aluno de uma das minhas primeiras turmas e que acabou trabalhando comigo, primeiro como assistente, depois virando meu sócio em uma loja de informática que eu tive). Me custou R$ 3.100 e muito mais em consertos, visto que eu era muito barbeiro: vivia amassando os para-lamas nas pilastras da garagem da escola – quem nunca dirigiu um Fusca não tem ideia de como é dirigir um carro que parece um disco voador (redondo).

"Gabriel
Eu e o meu primeiro carro (Fusca 1979). Quanta saudade... (do cabelo que eu tinha, não do carro!)

O primeiro sonho de consumo que realizei? Comprei um par de pickups (Gemini XL1800Q II - eu ainda não tinha bala na agulha para comprar Technics SL-1200MK2), um mixer (Gemini PDM-7024) e um amplificador (Cygnus PA 400). As caixas de som eu já tinha (lembra?). A case eu comprei no ano seguinte. Eu tinha todo esse material até 2006, quando comecei a vender tudo o que eu tinha antes de me mudar para os EUA.

"Mixer
Mixer

"Pickup
Pickup

"Amplificador
Amplificador

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