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Minha história profissional - Parte 3


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Minha história profissional - Parte 3

Caso você tenha perdido: Ler Parte 1 ou Ler Parte 2.

No final de 1988 tomei provavelmente a decisão mais acertada da minha vida profissional: entrar no 2º grau técnico em eletrônica do Instituto de Tecnologia ORT. Lá eu me descobri: não só tinha acesso a tudo o que sempre quis (conhecimento – através de professores, funcionários, estagiários e biblioteca – e laboratórios totalmente equipados), como estava repleto de outros colegas “nerds” também apaixonados por eletrônica e informática. Além disso, o ORT foi mola propulsora em minha carreira profissional, pois um ano depois de formado fui convidado a trabalhar lá, onde fiquei por mais sete anos, até julho de 2000. Ainda hoje mantenho contato freqüente com a escola.

Pouca gente conhece esta escola, que fica em Botafogo, no Rio de Janeiro, por ser uma escola muito pequena (até hoje eles têm apenas entre 200 e 300 alunos). Eu mesmo nunca tinha ouvido falar, até que um grande amigo que também estudava no Colégio Anglo-Americano, o Bruno (que é meu amigão até hoje) descobriu esta escola através de um outro amigo nosso (Luis Anselmo) e me avisou que ia para lá pois ele gostou dos laboratórios de informática. Para a época, ainda no período da reserva de mercado, os laboratórios de informática eram topo de linha. Mas o meu negócio mesmo era a eletrônica, e o laboratório de eletrônica era ainda mais bem equipado do que o de informática, com osciloscópios, multímetros e uma fartura de componentes à disposição. O sonho de qualquer nerd apaixonado por eletrônica e informática.

Apesar de a escola ser pequena aqui no Brasil, o ORT faz parte de uma organização mundial de escolas técnicas de origem judaica, fundada em 1880, em São Petesburgo (Rússia) e presente no Brasil desde 1943. É claro que não existia informática naquela época, os cursos técnicos foram sendo criados (e fechados) de acordo com a realidade de cada momento. Atualmente o ORT no Rio de Janeiro tem três cursos técnicos, eletrônica, informática e biotecnologia. Além do Brasil o ORT está presente principalmente em Israel, Inglaterra, França, Estados Unidos, Argentina e Uruguai. Em Israel, um país com a metade do tamanho do estado do Rio de Janeiro, há mais de 150 escolas ORT.

O ORT é uma escola filantrópica, isto é, sem fins lucrativos, e os equipamentos disponíveis, principalmente os da época em que estudei lá, foram doados através da ORT Mundial. Muitos alunos estudam lá com algum tipo de bolsa de estudos. Não é balela, meus pais mesmo tiveram que pedir bolsa depois do Plano Collor (meu pai tinha juntado um dinheiro para não precisar mais trabalhar, pediu demissão e aí dois meses depois veio o Collor e confiscou tudo que ele tinha; esta foi provavelmente a pior época para todos os brasileiros).

Quando perguntam onde eu estudei no 2º grau ou quando falava, na época, onde trabalhava, as pessoas sempre me perguntavam algumas coisas – sem contar que eu tinha que ter paciência com quem não conhecia a escola achava que eu trabalhava no Horti-Fruti, pois o nome pronuncia-se “órt”, o que, com o sotaque carioca, acabou virando “órtchi” e não “ó-érre-tê”: (1) O que é ORT? Como disse, é uma escola muito pequena sem fins lucrativos, que sobrevive principalmente graças a doações e que não faz propaganda, por isso aproveitei e escrevi cinco parágrafos para ajudar a divulgá-la; (2) O que significa a sigla ORT? Originalmente significava “Óbshtchestvo Rasprostraniênia Trudá” ou “Associação para Propagação do Trabalho”, em Russo. Em português foi traduzido como “Organização, Reconstrução e Trabalho”, para manter a mesma sigla. (3) O certo é “a ORT” ou “o ORT”? Depende do contexto. “A ORT” refere-se à sociedade ou à organização ORT, que mantém o instituto ORT, já “o ORT” é usado quando estamos falando no Instituto ORT. (4) Você é judeu? Não.

Sem dúvida essa última é, até hoje, a pergunta mais comum que me fazem. Apesar de ser uma escola mista, aceitando alunos não-judeus, as matérias de ensino judaico são até hoje obrigatórias. Na minha época tive de estudar Hebraico, História Judaica, Cultura Judaica e Atualidades de Israel (hoje acho que essas duas últimas já não existem mais). O fato de eu ser branco, narigudo e ter um prenome de origem judaica também confundem (Gabriel, para quem não sabe, significa literalmente “homem de Deus”; “gavri” em hebraico significa “homem” e “El”, Deus; aliás, todo nome terminado em “El” é “alguma coisa” de Deus). Se eu fosse judeu meu nome seria Gabriel Migdalim (“Torres”, em hebraico). Well... Melhor Gabriel Torres mesmo.

Era uma escola puxada, mas por conta da paixão pela eletrônica tirei de letra. Além das matérias de educação judaica e matérias comuns, havia obviamente as matérias técnicas. Com isso, no primeiro ano eu tinha 17 matérias, com aula das 7:00 H às 13:20 H com aulas à tarde terças e quintas (educação física um dia e laboratório de eletrônica no outro). Na época algumas matérias do núcleo comum eram invertidas por conta do conhecimento necessário para aprender eletrônica. Por exemplo, eu não tive física no 3º ano porque em escolas tradicionais a matéria do 3º ano é eletricidade, assunto que vi no 1º ano em Eletrotécnica e em Eletrônica Básica. Números imaginários, matéria do currículo de 3º ano, era matéria do 1º ano porque precisávamos do assunto para Eletrotécnica e Eletrônica Básica. E no 3º ano tínhamos Cálculo, matéria normalmente do primeiro período do ciclo básico de Engenharia.

Estudei no ORT de 1989 a 1991. A foto abaixo é de 1990, com 16 anos, quando estava no segundo ano e ainda tinha (muito) cabelo e foi tirada em um dos laboratórios de eletrônica do ORT. Você consegue me reconhecer?

Gabriel Torres Instituto de Tecnologia ORT 1990

Eu sou o segundo em pé da direita para a esquerda. O cidadão ao meu lado de camiseta pólo rosa era um dos professores da escola, Jack Silberman. O cabeludo de camiseta vinho na extrema esquerda, Lisandro Lovisolo, é outro que hoje está careca e seguiu na carreira acadêmica, tendo recentemente concluído seu doutorado. O louro narigudo de camiseta branca ao lado dele é o Marcelo Abramovitz, figura que vai ser muito importante no início da minha carreira como professor e escritor, como irei contar em mais detalhes futuramente. Hoje ele trabalha na IBM. O restante desse pessoal da foto eu perdi contato.

A foto abaixo foi tirada em outra bancada do mesmo laboratório quando eu estava no 3º ano, em 1991. Eu, Marcelo Abramovitz e Bruno Florentino aprendendo sobre as entranhas do PC. Pelo menos tinha tomado vergonha na cara e cortado o cabelo. A qualidade da foto não está muito boa pois tive que escaneá-la de uma revista da ORT Mundial onde a qualidade da impressão não estava muito boa. O Marcelo Abramovitz foi uma pessoa muito importante no início da minha carreira profissional e voltarei a falar sobre ele.

Gabriel Torres Instituto de Tecnologia ORT 1991

Então como era minha vida nesta época (1989-1991)? Como vocês devem se lembrar eu tinha um Apple II e já escrevia para revistas e jornaizinhos especializados em Apple II. Em 1990 mandei alguns programas para a revista Micro Sistemas, que acabaram sendo publicados (exemplo abaixo).

Gabriel Torres Micro Sistemas

No campo do hardware, como eu tinha laboratórios totalmente equipados à minha disposição depois do horário de aula e funcionários e estagiários da escola à disposição para tirarem todas as minhas dúvidas, eu comecei a usar e abusar dos laboratórios. Basicamente peguei o meu Apple II Plus – que eu não estava usando, pois nesta época já tinha o meu TK3000 – e levei para a escola e comecei a desmontá-lo e aprender como ele funcionava de cabo a rabo, bem como a me aprofundar no estudo da eletrônica digital. Lembrando que nesta época a manutenção de micros envolvia a troca de componentes eletrônicos e a necessidade de se conhecer eletrônica digital em nível aprofundado.

Com isso em 1989 comecei a trabalhar consertando computadores Apple II. Como na escola havia farta documentação sobre o funcionamento do bicho e várias pessoas que entendiam do hardware do mesmo, acabei me dando bem, pois tive todo o suporte necessário. 1989 é o ano que eu considero o verdadeiro início da minha carreira profissional.

Como comecei? Acho que como todo mundo: o Apple II plus de uma amiga da minha mãe pifou, ela me chamou, consertei, ela me indicou para outra amiga que também estava com o Apple II plus pifado e por aí foi.

Em 1991 um conhecido abriu um clubinho de Apple II e me chamou para fazer uma parceria, para consertar os computadores dos sócios com um desconto. Claro que topei. O jornal O Globo chegou a publicar uma matéria sobre este clubinho e a manutenção de Apple II, me citando, como você pode ver abaixo.

Gabriel Torres O Globo 1991

Na época comecei a captar clientes através de anúncios que eu publicava no jornal Balcão. Nesta mesma época um outro camarada publicava anúncios neste jornal anunciando uma apostila do tipo “aprenda a montar você mesmo o seu PC”. Era o Laércio Vasconcelos no início de sua carreira como escritor. Vou falar mais sobre isto na próxima parte cinco desta série.

Eu estava feliz. Afinal, estava trabalhando com o que eu gostava e ganhando dinheiro com algo que eu faria de graça. Mas ganhar dinheiro nesta época era muito complicado. Além de eu não ter a experiência necessária para saber cobrar, havia o problema da hiperinflação. Só para lembrar alguns números da a inflação da época: 1990, 1.620%; 1991, 472%; 1992, 1.119%; 1993, 2.477%. A inflação era diária. Às vezes é difícil explicar para quem não vivenciou esta época como era ter remarcação de preços quase que diária. Lembro que dolarizei o preço dos meus serviços e cobrava entre US$ 10 e US$ 20 pelo conserto de um computador, fora as peças. Para um moleque de 16-17 anos eu me sentia “o cara”, afinal já dava para comprar roupas, peças de skate (sim, apesar de nerd eu tive a minha fase de andar de skate), pagar a Capoeira (e depois o Tae Kwon Do) e levar a namorada para lanchar sem depender da mamãe e do papai.

Em 1991 o meu projeto final na escola (necessário para a formação) foi um sistema de alarme ligado ao Apple II, naturalmente: uma placa conectada ao slot do bicho que lia sensores e ativava atuadores. A ideia era simular um cenário como “se o sensor da janela for ativado, ligue a sirene” e coisas deste gênero.

Após o término da escola, eu ainda precisava fazer estágio supervisionado para me formar técnico em eletrônica. Naquela época eu precisava cumprir um número absurdo de horas de estágio (algo como 460 horas), o que levava a grande parte dos alunos a só terminarem o estágio no ano seguinte ao do 2º grau, como foi o meu caso.

Eu fiz estágio em três lugares: no laboratório de robótica da própria escola durante o ano de 1991, onde aprendi mais sobre o interfaceamento do Apple II, pois lá havia um robô conectado ao Apple II; na empresa Interface, que fazia computação gráfica e pós-produção para propagandas de TV, no verão de 1993; e na empresa NTL, Nova Tecnologia Ltda, em 1992, onde fui aprender sobre o hardware de PCs de maneira aprofundada. Vou deixar para contar mais sobre esta época e a história da minha migração para os PCs para a próxima parte desta série.

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