Em Setembro de 2004 comprei um celular GSM habilitado pela AT&T, nos Estados Unidos. O telefone vinha bloqueado de tal forma que eu só poderia utilizar chips GSM da própria AT&T e de nenhuma outra operadora de telefonia móvel, fosse esta concorrente da AT&T ou não. Quando voltei ao Brasil aposentei o aparelho e comprei um outro, habilitado pela TIM.
Há algum tempo os celulares são subsidiados pelas operadoras de telefonia. Paga-se mais barato pelo equipamento para sentir-se estimulado a pagar pelo serviço oferecido pela operadora, que é de onde realmente vem o lucro das empresas de telecomunicações.
A idéia por trás do bloqueio é impedir que o cliente utilize o aparelho subsidiado por uma empresa para comprar os serviços da concorrência. Parece sensato. Mais sensato ainda me parece pensar que a qualidade do serviço é que deve me fidelizar a uma empresa de telecomunicações, não um mecanismo de bloqueio eletrônico.
Para quem compra celular pós-pago, há ainda uma cláusula contratual que o obriga a pagar uma multa, em caso de desistência do serviço da operadora antes de um período estabelecido em contrato (normalmente doze meses no Brasil). Ou seja, se o serviço for ruim e você quiser mudar de operadora, deve resarcí-los pelo subsídio dado na compra do telefone. Faria sentido então que eles desbloqueassem gratuitamente o seu celular depois do pagamento da multa. Infelizmente não é o que acontece. Ou, se acontece, não é divulgado como deveria.
As empresas de telecomunicações utilizam bloqueios eletrônicos e cláusulas contratuais porque sabem que o serviço de telefonia é uma commodity. Commodity é um termo utilizado em economia e que, neste caso, quer dizer que não há diferença substancial entre os serviços de telefonia oferecido pelas diferentes operadoras. Você precisa de uma conexão entre dois pontos, que não demore para ser estabelecida e por meio da qual seja possível entender claramente o que uma outra pessoal está falando. Todas as operadoras de telefonia, móvel ou celular, fazem isso.
Como o que diferencia as operadoras de telefonia atualmente é o atendimento, se você for mal atendido pela sua operadora, deverá resarcí-los para buscar a concorrência.
Na última quinta-feira eu fui a uma festa na qual me jogaram dentro da piscina, e meu celular estava no bolso. Era um Nokia 6100 e infelizmente ele não resitiu ao mergulho. A água não estava fria, suja e ao que me consta ninguém tinha urinado nela ainda. Mesmo assim, o celular não sobreviveu.
Eu preciso de um telefone celular que faça e receba ligações e ponto final. Não quero tirar fotos nem filmar com câmeras de baixa qualidade. Não quero assistir filmes em uma tela de duas polegas. Não quero ouvir minhas músicas preferidas em baixa qualidade como toque do celular. Não quero expremer uma dúzia de arquivos MP3 em alguns megabytes de memória. Parece simples, mas uma ida ao Shopping Morumbi, em São Paulo, me mostrou que a indústria não consegue atender minhas expectativas, por mais simples que sejam.
Mesmo os modelos mais baratos vinham com recursos que eu não preciso. O problema é que eu teria que pagar por eles, mesmo não usando. Não há desconto. E além disso, compraria um celular bloqueado para uso em outras operadoras GSM.
Resolvi então retirar da reserva o meu aparelho comprado nos Estados Unidos. Ele tem tudo que eu não preciso: câmera fotográfica de 0.3 Mpixel, toques polifônicos, bluetooth e mais alguns recursos que desconheço. Mas me custou US$ 70.00 e na próxima vez que eu for à praia ou à piscina e esquecê-lo no bolso, não vou me importar em perdê-lo. Mas antes de começar a usá-lo com o meu chip da TIM precisava desbloqueá-lo para que funcionasse com qualquer chip GSM.
Comecei pela Internet. O que deveria ser uma tarefa simples, que na maioria dos celulares pode ser feito com alguns códigos digitados no próprio aparelho, mostrou-se impossível sem desembolsar algum dinheiro. Quem tem o código quer vendê-lo. Quem tem o software para desbloqueio quer vender o serviço. Os valores são baixos. Na média, R$ 60,00. Mas eu queria fazê-lo sozinho e sem pagar nada por isso.
A idéia de descobrir segredos e códigos e compartilha-los gratuitamente com o mundo é a essência do espírito hacker, no bom sentido do termo. E é o desafio e a dificuldade de obter o conhecimento que alimenta esse espírito, que incentiva a troca de informações e faz com que o diferencial entre as pessoas seja a inteligência, e não a posse de uma informação simples que os outros precisam mas só você tem. A graça da brincadeira está no trabalho para obter a informação e não a informação em si.
Durante a minha busca aprendi bastante sobre o meu celular. Atualizei o sistema operacional, consegui instalar programas, criei uma aplicação de teste em Java e carreguei no celular para obter informações que poderiam me ajudar a desbloqueá-lo. Mas, no final, fui derrotado pelo tempo em que eu estava sem o celular que preciso para trabalhar. Resolvi levá-lo a alguém que o desbloqueasse, e me dirigi ao centro de São Paulo.
There is no free lunch! Todos queriam dinheiro para fazê-lo. Em todos os casos, a pessoa que faria o serviço não tinha a menor idéia do que estava fazendo. Era um apertador de parafusos, treinado para digitar alguns comandos. No caso do meu celular, o menu estava em inglês, o que foi classificado como uma barreira intransponível para o desbloqueio por pelo menos duas pessoas diferentes que, com jeitão de bambambam no assunto, sequer conseguiam tirar a bateria do meu aparelho. "É que esse é o modelo americano", disse um deles. Não existe isso, o aparelho é vendido em todo o mundo sem modificações.
Acabei encontrando uma loja que disse conseguir fazê-lo com um adaptador conectado no aparelho. O camarada parecia entender. Enquanto eu esperava, ele desbloqueava aparelhos de outros clientes. Comecei a reparar no lugar e nas lojas ao redor. Era um stand, que além de desbloqueio de celulares também vendia cartões pré-pago e CDs com software pirata, assim, em cima do balcão. Os outros stands ao redor vendiam bolsas, sapatos, relógios, roupas e tudo mais que você puder imaginar. Falsificados. O que não era falso, era contrabandeado. Outras mercadorias, possivelmente roubadas. No stand em frente, um iPOD Nano de 4 GB custava quase o mesmo que nos Estados Unidos.
Me lembrei ter lido no jornal que a Polícia Federal prometera uma operação especial para coibir o contrabando e a falsificação nesta região durante o período de natal. Não havia nenhum sinal de que a Polícia Federal tivesse passado por alí. Mais do que isso, não havia nenhum sinal de que os "comerciantes" locais temessem uma possível ação da Polícia Federal.
A ficha caiu quando a pessoa que me atendia entregou um celular desbloqueado a um rapaz, que foi embora sem nota fiscal ou garantia pelo serviço. Aquele stand não pagava impostos, sustentava um shopping que promovia a falsificação, a pirataria, o contrabando e muito provavelmente corrompe as autoridades policiais para permanecer na ilegalidade. Sem a presença de autoridades policiais, é fácil concluir que trata-se de uma boa vizinhança para o tráfico de drogas, de armas ou para exploração do trabalho escravo. O crime organizado é todo um só, farinha do mesmo saco. Na mesma hora pedi meu celular de volta e fui embora.
Não há nada de ilegal em desbloquear um telefone celular pelo qual paguei e trouxe legalmente para o Brasil. Mas, infelizmente, esse tipo de serviço só é oferecido por pessoas ligadas com a ilegalidade, de uma forma ou de outra. Desisti de buscar mais informações sobre como desbloquear meu telefone na Internet. A maioria dos sites são confusos, cheios de popups e banners confusos. Usam artimanhas para aparecer em ferramentas de busca e tentam persuadir o visitante a colocar seus dados e número de cartão de crédito em formulários inseguros. Como faz falta o genuíno espírito hacker.
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