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Campus Party 2009: Debate Sobre o Projeto de Combate aos Cibercrimes


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Campus Party 2009: Debate Sobre o Projeto de Combate aos Cibercrimes

Colaboração: Cláudia Catherine

Único evento de Internet no Brasil que reúne comunidades de diferentes áreas da sociedade em rede em um mesmo espaço ao longo de sete dias, a Campus Party Brasil 2009 teve hoje um disputado e polêmico debate, provavelmente o mais importante do evento. Dezenas de "campuseiros" se reuniram em frente ao palco Software Livre para ouvir argumentos contra e a favor do Projeto de Lei Sobre Cibercrimes, de autoria do Senador Eduardo Azeredo, que está em tramitação na Câmara dos Deputados. O texto prevê, entre outros pontos, que os provedores de acesso guardem dados de navegação do usuário por três anos e que os quebre caso a Justiça solicite informações. A ausência de um marco regulatório civil brasileiro que trate das questões que se dão no âmbito da Internet foi um dos principais pontos criticados.

O debate transcorreu em meio a numerosos cartazes e notebooks com palavras de ordem contra o projeto e algumas interferências do público, mas prevaleceu a civilidade até o o final quando a plateia fez um protesto silencioso levantando-se e voltando as costas para os debatedores quando o representante do Senador Azeredo fez suas considerações finais que se resumiram a uma breve frase de agradecimento.

O assessor técnico do Senado Federal, José Henrique Santos Portugal, representante do Senador Eduardo Azeredo, foi o primeiro a falar declarando-se um dinossauro da tecnologia trabalhando com ela desde a década de 60 e defendeu seu ponto de vista afirmando que no Brasil só há crime se ele é regulado antes por lei, ou seja, hoje não é crime clonar um cartão de crédito.

Por outro lado é preocupante para qualquer internauta e principalmente blogueiros quando ele afirma que a lei (que determinará diversos controles sobre nós) é uma lei penal, uma lei que trata de crimes. Além disso ele citou que os blogs e fóruns online são tratados pela lei como meio midiático, ou seja, são considerados iguais a uma rede de tevê, rádio ou jornal.

A preocupação geral do Internauta que entende a Internet como uma ferramenta de exercício da democracia através da liberdade de expressão é que os dispositivos criados por essa lei acabem sendo usados para limitar nossos direitos civis.

Essa sensação foi intensificada quando Fernando Neto Botelho, Desembargador e membro da Comissão de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, fez sua apresentação admitindo que a comunidade jurídica não conhece tecnologia assim como a comunidade online normalmente não está acostumada ao linguajar jurídico (eu acrescentaria que a comunidade jurídica também tem dificuldade para entender a cibercultura).

A crítica geral é que o governo está criando leis penais e criminais antes de criar um marco civil, ou seja, estabelecer leis que definam nossos direitos e limites civis dentro do ambiente online, ou ainda, que estaremos determinando as punições mais severas antes de estabelecer recursos intermediários de forma que ou nós seremos vistos como inocentes ou criminosos sem nuances entre os dois extremos.

Respondendo a isso em sua apresentação ele clama por uma urgência diante do número supostamente enorme de crimes que estão sendo feitos em meio digital e afirma que essa é uma justificativa suficiente para saltar o estágio do marco regulatório civil. Ele chegou até mesmo a responder a intercessão da blogueira Lúcia Freitas perguntando-lhe se devemos admitir que invadam nossos sistemas ou clonem nossos cartões.

Devemos nos perguntar se há mesmo uma urgência em definir os instrumentos finais para punir os crimes digitais mesmo correndo o risco de prejudicar nossa liberdade civil.

Os debatedores contrários ao projeto foram extremamente convincentes ao mostrar os riscos e falhas da lei.

Ronaldo Lemos, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Diretor do Projeto Creative Commons no Brasil, destacou:

  • Que não podemos ceder ao argumento da urgência definindo leis penais antes de criar marcos regulatórios civis.
  • Que os países que criaram leis criminais similares (definidas pela convenção de Budapeste) são majoritariamente países de primeiro mundo que já definiram os marcos regulatórios civis e mesmo assim com grandes ressalvas.
  • Que os Estados Unidos por exemplo só assinaram a convenção em 2007 e depois de cortar 11 itens e após a posse de Barak Obama imediatamente houve um movimento de afastamento destas leis consideradas repressoras.
  • Que essas leis corroem nosso poder de inovação pelo medo de sair diretamente da legalidade para condição de criminoso ao fazer algo que, no texto vago e impreciso do projeto de lei, pode ser considerado crime.
  • Que o mesmo juiz que julga sequestros e outros crimes teria que julgar, por exemplo, o crime de reclamar em um fórum do mau atendimento de um prestador de serviços ou empresa
  • Que o Brasil não participou da criação da convenção de Budapeste e é política do nosso país não assinar convenções que não foram criadas com a sua participação
  • Que a pena para o crime de copiar as músicas de um iPod para um computador será de 1 a 3 anos de prisão
  • Por último, mas não menos importante, caberá ao Estado pagar pelas ações de crime online. (a percepção de alguns internautas no Twitter era de que essas leis acabarão sendo usadas por empresas para processar cidadãos às custas do nosso governo para defender a sua propriedade intelectual)

Sérgio Amadeu da Silveira (sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo) fez um apaixonado e contaminante discurso pela liberdade de expressão que arrancava aplausos a cada frase. Entre os tópicos que ele levantou estão:

  • Internet não é mídia como jornal, TV ou rádio, ela é um espaço de exercício democrático
  • O texto da lei é tão vago que até mesmo papel e caneta podem ser considerados um meio de transmissão ilegal de dados
  • Que o DRM viola os nossos direitos conquistados no código de defesa do consumidor e que temos que ter, por exemplo, o direito de transferir as músicas que compramos para o nosso computador ou iPod
  • Nos EUA 18 mil adolescentes foram processados por trocar músicas
  • Mostrou uma menina com pouco mais de 10 anos que foi processada nos EUA por escrever uma fanfic inspirada nos personagens de Harry Potter
  • Com a nova lei será crime criar fanfics também no Brasil e nossas mentes criativas terão medo de criar
  • Mostrou um roteador mesh, uma tecnologia que pode criar um ambiente mais democrático de acesso à Internet e que se tornaria crime
  • Apresentou o TOR, que permite anonimidade na Internet, que tem sido usado por organizações democráticas para combater ditaduras que restringem a liberdade de expressão.
  • Mostrou que os criminosos terão sempre recursos como o TOR que lhes garantirá invisibilidade e que a única vítima caso essas leis sejam aprovadas será o cidadão comum

A essa altura sou obrigado a admitir que ele citou vários outros argumentos fortes, mas fui tomado pela emoção e não pude anotar mais.

Antes de ter vindo a este evento para ajudar na cobertura para o Clube do Hardware, antes de ser um blogueiro, antes de ser um consultor em gestão do conhecimento eu sou, como todos que estão lendo este artigo, um cidadão do século XXI em um país em pleno processo de amadurecimento das instituições democráticas.

Temos na Internet a mais valiosa ferramenta para exercer nossos direitos civis. Ela é uma ferramenta ainda não compreendida por quem define as leis. É a ferramenta de uma nova cultura cibernética ainda mais obscura para juristas e governantes.

Olhando ao redor aqui no Campus Party o que vemos são seis mil pessoas amigas inovando, se conhecendo, brincando e, mais do que qualquer outra coisa, criando conteúdo, levantando suas vozes para exercer e clamar pela democracia e a lei dos cibercrimes pode acabar sendo usada como uma mordaça para a nossa voz.

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"O direito penal deve ser usado apenas quando se esgotam as vias civis. Este projeto se propõe a dar um passo importante, antes de todo um trabalho necessário." (Lemos)

"Às vezes, faz-se necessário usar o direito penal. Não foram feitos marcos regulatórios para, por exemplo, a lei de proteção ao consumo, de crimes financeiros, de direito autoral". (Botelho)

"Criminoso é quem viola o meu direito à privacidade, criminoso é quem me vigia na rede", disse. Para o sociólogo, a lei também é "inócua contra os criminosos [que continuarão driblando os sistemas de segurança], arbitrária contra o cidadão comum e precisa, no mínimo, de uma reforma no texto". (Amadeu)

Obs: Segundo Amadeu, o artigo 285 do projeto, que, da forma como está escrito, daria margem para criminalizar, com pena de 1 a 3 anos e multa, ações como transferir músicas do computador para um pen drive (eis o texto: "Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação, ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso").

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Comentários e Sugestões Sobre o Projeto de Lei de Crimes Eletrônicos (PL n. 84/99): http://www.culturalivre.org.br/artigos/estudo_CTS_FGV_PL_crimes_eletronicos.pdf


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