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Ao se deparar com as diversas tecnologias de fabricação de teclados, tanto quanto de outros dispositivos, comumente surge a noção de que alguma deve ser necessariamente melhor que a outra, com a conclusão neste caso geralmente sendo em favor dos teclados mecânicos. Afinal, essa conclusão é válida? Qual realmente é melhor, e qual a diferença entre elas?

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Switches Gateron KS3 black. Fonte: Mikhail Kosevich Volkov, 2021.

 

O que define um teclado como sendo mecânico ou de membrana?

 

Teclados originalmente foram fabricados como um método de entrada para computador com a finalidade de substituir os grandes painéis de cabos e outros métodos como cartão perfurado. Máquinas como a alemã Enigma já possuíam um tipo de circuito elétrico para demonstrar qual letra seria emitida após selecionado o código de criptografia. Com isso, a tecnologia mais antiga dos teclados pode ser considerada análoga aos teclados mecânicos modernos, pois se baseavam em contatos físicos de metal fechando um curto-circuito para a tecla ativada pelo operador.
Um equívoco comum é assumir que teclados de membrana e mecânicos são uma completa antítese um do outro, quando na realidade as duas "tecnologias" podem ser empregadas ao mesmo tempo, ou nenhuma de ambas, uma vez que "mecânico" é um nome arbitrariamente atribuído ao tipo de mecanismo utilizado para ativação da tecla, ao passo que "membrana" é apenas o nome coloquial para o conjunto de placas de circuito impresso flexíveis com um espaçador entre si empregadas como mecanismo de detecção de ativação das teclas do dispositivo. Isto é: seu papel é o mesmo dos contatos de metal dentro dos switches, dos sensores ópticos, de efeito hall, válvula magnética, interruptor reed, ou até do circuito capacitivo de outros tipos de teclados.
Há também o equívoco de chamar a folha de cúpulas de borracha de membrana, sendo que elas são meramente o elemento elástico, e podem ser empregadas em teclados com placas de circuitos convencionais com contatos como os de controles de portão, controles remotos e controles para jogos, como em teclados eletrostáticos capacitivos(como Topre) e mecânicos em alguns modelos antigos em que o switch não possui elemento elástico integrado em sua estrutura. Há também teclados que são considerados mecânicos, porém utilizam membranas para fechar o contato, caso do IBM Model M, dos Alps com buckling springs, e de modelos baseados nos "switches" TTC MT hybrid.
Em suma: o que define se um teclado é vendido como teclado mecânico ou de membrana é o que a empresa decide, e o mercado espera, visto que os Unicomp Model M continuam sendo vendidos como mecânicos, mesmo tendo circuito "de membrana", e os Realforce/Topre que não são considerados "mecânicos" e não possuem "membrana" são apenas vendidos como "eletrostáticos capacitivos", em referência ao método de detecção da ativação da tecla.

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Teclado IBM Model M desmontado, um dos raros exemplos de teclados mecânicos de membrana. Fonte: Mikhail Kosevich Volkov, 2018

 

E qual o melhor?

 

De forma resumida: nenhum.
As tecnologias empregadas para detecção de teclas não são inerentemente superiores ou inferiores considerando o todo, cada uma tem suas vantagens e desvantagens, tanto quanto o tipo de elemento elástico implementado. Teclados ópticos, por exemplo, caíram de fama pois são muito difíceis para reparar. Ainda que prometam nunca ter repetição não desejada de teclas, a taxa de falha é maior que mecânicos convencionais por ainda não ser uma tecnologia madura, apesar de existir desde os anos 80, tanto que a Wooting e outras empresas os abandonaram em favor dos eletromagnéticos, que não possuem durabilidade limitadas em horas conectado a uma fonte de energia. Eletromagnéticos modernos estão em sua infância ainda que essa aplicação seja bem antiga, assim como os ópticos, com o diferencial de ser provada por décadas em controles de jogos, e aplicações aeronáuticas. Eletrostáticos capacitivos como os Topre são de altíssimo custo pela precisão necessária na fabricação da placa de circuito impresso e das espiras capacitivas, mas não há taxa de falhas registradas pois essas são extremamente raras. Mecânicos convencionais se mal feitos duram muito menos que uma boa "membrana", chegando a ridículos 6 meses de vida útil em alguns dos piores casos. Se há tecnologias que realmente se destacam entre elas, seriam ambas a eletrostática capacitiva e a eletromagnética, pois ambas não sofrem de fadiga ou gasto por tempo. Fadiga tal que, em um bom teclado com bons switches ou bom material nas placas flexíveis, demora mais de 30 anos para resultar em qualquer problema (como evidenciado em sistemas produzidos nos anos 80 e 90 que ainda estão em operação), quando não mais. Esse fato traz à tona a baixa qualidade de projeto da maioria dos dispositivos disponíveis no mercado atual. Ambas também permitem sensibilidade analógica, ou seja, conseguem detectar com uma certa precisão a distância em que a tecla foi apertada em qualquer ponto de seu curso.
Há tecnologias não citadas e não descritas acima, como os capacitivos, sejam como os IBM Beamspring, IBM Model F, ou foam and foil, que se tornaram raros, e outras ainda em desenvolvimento como detecção indutiva. Essas foram ignoradas por não serem relevantes atualmente, mas nada as impede de o serem futuramente.

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Diagrama de um switch Topre. Fonte: Realforce.

 

Se a tecnologia pouco importa, então o que realmente faz um teclado ser melhor e durar mais que o outro?

 

Assim como a moda, o gosto pessoal nos faz perceber certos tipos como melhores que os outros, sem benefício real.
Seja por beleza, sensação de digitar, ou então motivos mais práticos, como teclas programáveis e retroiluminação, a escolha de um teclado acima do "básico" é inteiramente pessoal, tornando o "melhor" algo subjetivo. Ao menos em teoria.
No mundo real, as opções de bons teclados com placas flexíveis são escassas, pois ao investir o valor correto para que tenha alta qualidade como os antigos, já se ultrapassa o de um teclado "mecânico" barato, que pode ser vendido com lucro mais alto pela maior procura, ainda que esse dure menos. Dando um tiro no escuro, ainda que sem orçamento definido, é mais fácil comprar um bom teclado "mecânico" que um bom exemplar "de membrana".
Modelos específicos como o Logitech K120 e Dell KB522 não possuem qualidade tão boa quanto os antigos de mesmo tipo, porém apresentarão maior longevidade que a maioria dos dispositivos do mercado em geral, mas não há garantia alguma de sua permanência no mercado durante os próximos anos. Outros modelos como o Microsoft 600 e o Dell KB216, ainda que de maior qualidade, também enfrentam o mesmo dilema, com o adicional que seu rollover mais limitado pode atrapalhar em jogos que os anteriores não levantariam nenhum problema.
Os Topre são absurdamente caros, assim como mecânicos customizados (esses últimos muitas vezes não possuindo nenhuma garantia de durar mais que um Logitech K120 ou Dell K216, mesmo chegando a custar 100 vezes mais).
Os fatores que fazem um teclado durar mais são, no geral, placas de circuito impresso de alta qualidade, sejam flexíveis ou de FR4, uma estrutura feita com bons materiais (leia mais sobre os tipos de estruturas em teclados mecânicos neste tópico),  teclas bem feitas com método de impressão correto (leia este tópico para saber mais sobre), componentes de boa qualidade como controladoras, switches (caso sejam isolados do projeto, como os Cherry MX), elemento elástico e cabo, e por fim a boa programação da controladora. Um código instável pode debilitar o dispositivo como um todo, e decisões de projeto como debounce time muito baixo podem reduzir a vida útil causando falhas prematuras nas teclas, mesmo com componentes bons. Com todos esses fatores bem atendidos, não há motivo para que o teclado dure menos de 30 anos a não ser por mau uso, mas infelizmente isso raramente é o caso, principalmente quando se trata da programação das controladoras, levando teclados como notavelmente os Corsair K70 a terem duplicação de teclas prematuramente, ainda que todo o resto do conjunto eletrônico seja de alta qualidade.

 

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Teclado IBM RT3200. Fonte da imagem: Mikhail Kosevich Volkov, 2020.

Mas e o desempenho?


Aqui navegamos por águas turvas, pois a questão de desempenho em teclados é muito sobrevalorizada. Enquanto entendemos que o ser humano pode processar imagens em 13ms(leia este artigo), nosso tempo de reação total é normalmente em torno de 250ms, e não consegue chegar abaixo de 100ms mesmo com muito treinamento, valor equivalente a uma largada queimada no atletismo. Então apesar de conseguirmos perceber se um teclado tem resposta mais rápida em certas situações com treinamento, jamais poderemos torná-la útil, pois mesmo os piores teclados ainda funcionam significativamente mais rápidos que nosso tempo de reação. Na realidade, mesmo teclados do fim dos anos 80 já operam acima da capacidade humana como pode ser lido neste mini artigo da revista PC Mag de 12 de dezembro 1989. Considerando que a eletricidade, tanto quanto as ondas eletromagnéticas, trafegam na velocidade da luz, podemos desconsiderar a diferença de tecnologia e de enlace, focando apenas nas latências dos protocolos e no debounce time, trocando em miúdos: não existe diferença entre teclado de membrana, mecânico com contatos metálicos, capacitivo, óptico, magnético ou qualquer outro tipo de forma de registrar a ativação da tecla do ponto de vista da matriz.
Atualmente teclados operam com uma taxa de varredura da matriz de aproximadamente o dobro da taxa de polling. Teclados dos anos 2000, como apontado pelo Dan Luu neste artigo, chegaram a possuir latências de 80ms da tecla até a tela, isso pode ser devido tanto a maiores tempos de debounce visando maior durabilidade, quanto ao protocolo USB com baixa taxa de polling. Para explicar de forma breve, o protocolo PS/2 é um protocolo de altíssima prioridade em que o computador apenas envia dados ao teclado para ativar ou desativar suas luzes, ao passo que o teclado envia os dados sem precisar esperar requisição pelo processador, ou seja, o processador deve interromper o quanto antes o que estiver fazendo, caso possível, para processar a entrada que o teclado enviou antes que ela saia do buffer da placa-mãe. Já o protocolo USB, após a negociação do relógio, requer que o processador decida o melhor tempo para enviar a requisição ao teclado, e só então o teclado responderá. Devido à maior velocidade de transmissão do protocolo USB, a latência de ambos com o USB configurado a 1kHz é similar (como pode ser visto neste vídeo ). No mesmo artigo do Dan Luu, vemos que um teclado de membrana comum, o Logitech K120, e o teclado Apple Magic Keyboard, também de membrana, possuem alguns dos melhores resultados em latência, e muitos teclados gamer e mecânicos chegam a serem mais lentos.
As tecnologias de detecção de ativação de tecla possuem o fator inerente que as obriga ou as isenta de obrigação de uso de um temporizador de debounce: a necessidade ou não de esperar a inércia se dissipar no mecanismo para que ele se estabilize. As que possuem essa isenção são: óptica, eletromagnética (efeito hall, válvula magnética, ou reed), eletrostática capacitiva (Topre) e indutivas. Apesar disso, o seu tempo de resposta apenas é reduzido de 5ms a 20ms, valor que é perceptível, porém que não é útil ao ser humano devido ao nosso tempo de reação.

 

Os artigos da Rtings demonstram uma figura interessante em que um óptico pode ser mais lento que um baseado em contatos convencionais, o tempo do teste chegando a ser essencialmente abaixo do tempo de resposta de quase todo monitor existente, vide os resultados do Razer Huntsman de 3,4ms e o do Corsair K95 Platinum de 1,8ms. Visto as características dos testes, é impossível afirmá-los ou condená-los até que alguém os repita com os exatos mesmos equipamentos e publique os dados de forma completamente transparente, logo é justo ter apreensão.

 

A questão de ghosting e rollover já fora tratada neste tópico, mas em suma: não importa se for um teclado mecânico ou de membrana, caso seja bem projetado, ambos permitem que hajam teclas simultâneas suficientes em regiões críticas para qualquer atividade, e ghosting é algo do passado apenas visto em teclados extremamente mal feitos a exemplo de alguns mecânicos do mercado nacional como os da Philco.

Diversos usuários relatam melhoria de seu desempenho em jogo após a compra de um teclado dito mecânico, porém, após o apresentado acima, é possível concluir que não se passa de um efeito placebo, pois a percepção de um tempo de resposta melhor, ou mesmo de uma sensação melhor na digitação, ou até a maior qualidade de construção do dispositivo, gera uma satisfação no usuário que o motiva mais, assim como o bom e mau humor podem influenciar no resultado das partidas.
Isso não quer dizer que a latência seja uma métrica inútil para todos, ainda que o tempo de reação nosso seja extremamente alto, ações que requerem nossa antecipação como em jogos de luta e de ritmo beneficiam de uma latência mais consistente, e a forma mais fácil de tê-la no protocolo USB é através de sua redução, a alternativa sendo o uso de um teclado que empregue o protocolo PS/2 em uma placa-mãe compatível.

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Controladora do teclado Leopold FC900R, capaz de operar ambos no protocolo USB e PS/2. Fonte: Mikhail Kosevich Volkov, 2021.

Conclusão

 

Este tópico contempla os aspectos técnicos das tecnologias de teclados, portanto não cabe a ele atribuir uma resposta do tipo "todo mundo deve procurar ter um teclado mecânico" ou "teclados mecânicos devem ser evitados" ou até mesmo "todo mundo deve ter um teclado como método de entrada principal". Visto o quesito de durabilidade e desempenho tendo variações tão diminutas entre elas que chegam a ser questionáveis em certos casos, eles podem ser em grande parte exclusos da equação. Caso seja de sua preferência o uso de uma tecnologia, de outra ou mesmo de escrita cursiva com mesa digitalizadora, a experiência de uso da máquina estará diretamente relacionada a ela. Há requisitos que irão limitar as suas escolhas: a procura por algo de baixo custo, silencioso, com iluminação ou sem, longevidade além dos 20 anos, resistência a líquidos, macros programáveis, sensibilidade analógica e inúmeros outros. Tomando nota desses fatores e dos aspectos técnicos de qualidade e funções, a escolha cai sobre o gosto pessoal. Portanto, a experimentação em lojas, eventos (como a BGS), casas de amigos ou qualquer lugar em que se encontrem computadores é de grande importância para definir as características ideais para si. Tal escolha jamais deve ser feita por impulso, promessas de melhor desempenho ou pressão ao ver os demais usando um tipo específico, mas sim pelo que mais agradou nos testes e melhor atende suas necessidades, gostos e, claro, orçamento.

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iKBC F108 RGB customizado com teclas cirílicas. Fonte: Mikhail Kosevich Volkov, 2024.

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  • Obrigado 2
  • Amei 5
  • KairanD destacou este tópico
  • 7 meses depois...
Postado

Gostei demais, muito bom completo e uma leitura válida, principalmente pros meus amigos que ainda caem no marketing do único teclado possivelmente bom é mecânico. 

  • Amei 1

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